"Sempre tive muito orgulho de ser mulher, capaz de fazer tudo isso"

Publicada em 16/10/2020

Desde criança ela queria ser pesquisadora, mas ainda não sabia que a Biologia seria o caminho. Ao prestar vestibular, sua primeira opção foi para Medicina, mas a nota garantia vaga para sua segunda opção, Ciências Biológicas. Resolveu fazer o curso mesmo assim, e o encanto foi imediato: “aqui é o meu lugar!”

Hoje, Raquel Alves Costa é professora do Departamento de Ciências Naturais da UFSJ (Dcnat), leciona nos cursos de Ciências Biológicas, Medicina e Zootecnia, é membro do Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos (CEPSJ), do PET-Saúde Interprofissionalidade, coordena dois programas de extensão (Universidade das Crianças e Casa Verde) e é vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfofuncionais (PPGCM).

O caminho para chegar até aqui foi longo. Sua vocação para ensinar começou quando ainda era bem pequena. Com 13 anos, Raquel já dava aulas particulares de Matemática e Português. Trabalhou no comércio de seus pais em Belo Horizonte, onde nasceu, para se manter financeiramente durante o Ensino Médio. Em 1998, graduou-se em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), sabendo, desde o início, que seguiria a carreira acadêmica, pela oportunidade de fazer pesquisa. Começou a carreira docente ainda na graduação. “Faltava muito professor de Ciências em Minas Gerais e então, ainda no segundo período da faculdade, comecei a dar aulas para o ensino fundamental”, recorda.

Após oito anos lecionando na escola básica, e cursando o mestrado em Biologia Celular no Departamento de Morfologia da Federal de Minas Gerais (UFMG), Raquel ajudou a montar um curso pré-vestibular para alunos de baixa renda, a pedido da paróquia do bairro onde morava. “Dei aula lá por dois anos, e me orgulho muito dessa experiência. Três alunos desse projeto passaram para Biologia na UFMG, e um deles voltou com professor de Microbiologia. Falar que ele foi meu aluno é uma das grandes alegrias da minha vida, porque é um pesquisador notável.”

No doutorado, também na mesma área na UFMG, já casada e grávida do primeiro filho, Raquel se dedicou a estudar e a cuidar do filho pequeno. Em seguida, deu aulas em faculdades da rede privada, mas sentia falta de fazer pesquisa. Terminado o pós-doutorado, decidiu prestar concurso público, e um deles a trouxe para São João del-Rei. “Quando vim à cidade pela primeira vez, não sabia nem onde era, mas tive a felicidade de ser selecionada em 2014.”

A pesquisa
Logo que chegou à UFSJ, prosseguiu com a pesquisa que vinha desenvolvendo, atenta a novas propostas, e um detalhe dramático: o financiamento público começava a minguar. Até então, tinha sido possível manter as pesquisas com o financiamento dos editais internos da UFSJ. Com o corte de recursos das universidades a partir de 2014, era preciso reinventar-se. “Foi então que iniciamos o PPGCM, e tive a oportunidade e a alegria de encontrar colegas que auxiliaram na escrita do projeto.”

São diversas as premiações na carreira de Raquel, na pesquisa, na extensão, em congressos. O trabalho que pesquisa a reconstituição de tecido epitelial para transplante, por exemplo, conquistou, em 2019, o Prêmio SBQ Acelera, primeiro programa de pré-aceleração da Sociedade Brasileira de Química. A partir da premiação, a equipe desenvolveu o Curacicatri, produto em processo de patenteamento que tem a contribuição dos professores Luiz Orlando Ladeira e Claudia Rocha Carvalho, da UFMG, e da professora Erika Lorena Costa de Alvarenga, da UFSJ. “Agora estamos assinando o termo de convênio de parceria com a multinacional Rousselot Gelatinas do Brasil Ltda.”, comemora Raquel.

A professora e os alunos: depoimento para a vida
“Minha relação com os estudantes da graduação e da pesquisa sempre foi muito boa. Esse grupo de mestrandos vem trabalhando comigo desde a iniciação científica. Sou uma professora extremamente exigente, comigo também. Sempre digo para meu alunos: só aprendemos quando temos a ciência e a humildade de que não sabemos para, a partir daí, estudarmos. É preciso se dedicar, porque a área de Biológicas exige muito, a cada dia tem uma publicação nova, uma descoberta recente. É preciso respeitarmos a história de cada aluno, incentivando-o a estudar para valorizar o conhecimento, ter uma visão crítica do mundo, assumir o papel fundamental de contribuir na saúde, no tratamento, na educação das pessoas.”

Sobre o ensino remoto em tempos de pandemia, Raquel explica que não foi fácil readaptar os projetos de extensão à realidade virtual. Principalmente por trabalhar com escolas públicas, nas quais o acesso à informática é restrito. “Fizemos readequações, para tentar chegar à população mais carente, como a contratação de carros de som.”

Quanto à sala de aula, “é muito ruim o não contato pessoal com os alunos”, mas a pesquisadora vem se adaptando, certa de que esse momento vai deixar marcas para sempre. “É um período único, difícil, que demanda cuidados. Temos que acalmar nossos alunos, adaptá-los a essa nova lógica, que vamos vencer!”

Mulheres na Ciência
Raquel sabe bem que, como mulher, não é fácil ser mãe e exercer os papéis de professora e pesquisadora. Ela conta que precisou fazer escolhas na carreira, principalmente quando seus filhos eram pequenos. “Temos sempre no meio do caminho uma máquina de lavar e, para chegarmos onde queremos, precisamos da colaboração de outras mulheres, de nossos companheiros e companheiras, de familiares que às vezes projetam em nós as oportunidades que não tiveram”, avalia.

Não se pode, na opinião de Raquel, perder de vista o papel da igualdade no processo histórico-cultural que vivemos. “Estamos num ano em que duas mulheres ganharam o Nobel de Química. E se não ganharam antes, não é porque não fossem capazes, mas sim porque desde sempre enfrentamos dificuldades de acesso à Educação.”

Conciliar carreira e filhos é questão de planejamento, para vencer o fantasma da inferioridade, a falsa certeza de não sermos capazes de assumir tantos papéis. “Sempre tive muito orgulho de ser mulher, capaz de fazer tudo isso.”


 

Publicaremos, ao longo desta semana, uma série de perfis que homenageia os professores da UFSJ.
Como não é possível entrevistar a todos, contamos com a ajuda do Setor de Registro na definição de nossas fontes,
segundo critérios que buscaram contemplar a diversidade que caracteriza nossa comunidade docente.