Redução de danos é tema de ação permanente na UFSJ

Publicada em 16/10/2018 - Fonte: ASCOM

Coletivo Cai Junto, de estudantes da Psicologia, propõe nova postura perante as drogas

A Antropologia estima que o Homo sapiens moderno habite o planeta há pelo menos 50 mil anos. Em todo esse tempo, não há registro de nenhuma civilização que tenha vivido sem se relacionar com algum tipo de droga, seja o vinho dos gregos, o tabaco das civilizações pré-colombianas ou o ácido dos hippies. O uso dessas substâncias causa alterações de consciência, mas também afeta a saúde física e mental de seus usuários. Por conta desses efeitos negativos, as discussões a respeito das drogas geralmente tomam o caminho do proibicionismo e da abstinência, caminho este que não é consenso entre os estudiosos do tema.

Debatendo sob a perspectiva antiproibicionista e humanizada, surge o conjunto de medidas conhecido como redução de danos (RD). Pela definição da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA), a RD entende que as pessoas não abrem mão do consumo daquelas substâncias, apesar dos esforços institucionais para inibir o uso e o interesse por elas. Reconhece, para além dessa constatação, que parcela significativa não consiga ou não queira interromper o hábito, e que nem todos os usuários precisam de tratamento médico ou psicológico. Assim, surge a necessidade de conscientizar os usuários sobre os riscos da droga e o respeito aos limites do próprio corpo.

“Quando se trata das drogas, precisamos sempre falar de uma pessoa que se relaciona com uma substância em um determinado contexto. As pessoas estabelecem relações distintas com as drogas”, explica o professor Marcelo Della Vechia. As medidas de redução de danos, segundo ele, direcionam o debate para os campos da Ética e dos Direitos Humanos.

Professor do Departamento de Psicologia da UFSJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Intervenção na Política de Drogas (Nupid) da Universidade, Marcello Della Vechia é também orientador do Coletivo Cai Junto, que estuda e aplica as medidas de RD no contexto universitário local, ao mesmo tempo em que propõe ações de educação, prevenção e acolhimento dentro e fora dos campi.

Um trabalho de conscientização
O Cai Junto surgiu em julho do ano passado, por iniciativa de estudantes de Psicologia que participaram do programação de extensão Eiras e Beiras, de atenção psicossocial em álcool e outras drogas. Para transmitir os princípios da redução de danos, o grupo atua no meio acadêmico e, principalmente, em festas universitárias, explicam Uriel Alexandre Bonafé e Ivan Rennó Brochetto, estudantes do 8º período de Psicologia.

Uma das especificidades da UFSJ em relação a outras universidades do país é o fato de receber muitos estudantes vindos de outras cidades e estados, que vêm morar longe dos pais, passando a viver sozinhos ou em grupo. De acordo com a psicóloga Anna Castro, integrante do Cai Junto, essa população está mais vulnerável aos riscos das drogas, demandando um trabalho de redução de danos mais coerente.

Trazer este debate para o ambiente acadêmico é fundamental para que a RD cresça e se desenvolva, avalia Uriel Alexandre. “Estamos falando do direito de a pessoa fazer o que ela bem entende com o seu corpo, mas também precisamos falar do respeito a seus limites e dos riscos de uso das próprias substâncias.”

O embate ideológico e a força do mercado
Por se tratar de um tema delicado, as discussões a respeito da redução de danos esbarram na resistência de parte da população. Quem está à frente dessas ações se sujeita ao questionamento moral das famílias, dos colegas e também dos usuários de drogas. “Muitas vezes há desqualificação da informação científica produzida e a tentativa de deslegitimar os trabalhos da área”, confirma o professor Marcelo Della Vechia, mestre e doutor em Saúde Coletiva pela Unesp.

Algumas drogas fazem parte do cotidiano e da cultura brasileira, como o álcool e o tabaco. Em relação ao álcool, Della Vechia destaca o papel da propaganda no incentivo ao uso das bebidas, como a cerveja, associando o produto a situações de lazer, prazer e recreação. É importante destacar que uma das empresas mais rentáveis do país, o Grupo Ambev, comercializa bebidas alcoólicas.

Enquanto o consumo de álcool no país aumentou em 43,5% nos últimos 10 anos, o hábito tabagista é cada vez menos popular entre os brasileiros, registrando queda de 36% nos últimos 11 anos, de acordo com o Ministério da Saúde. “Em um período curto, conseguimos reduzir o uso do tabaco sem proibi-lo. Um conjunto de medidas é que produziu o efeito de redução”, destaca Della Vechia.

Quanto às políticas públicas sobre drogas, discute-se dois tipos de medidas: a redução da oferta e da demanda. A primeira diz respeito ao combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado; a segunda, envolve reduzir o próprio interesse pelas substâncias. “Não se trata de demonizar e estigmatizar o usuário, mas de não estimular o uso. Enfrentar a questão da regulação é propor um debate público que não ganha votos e que envolve valores morais”, defende o professor.

O problema do subfinanciamento
As origens das práticas de RD remetem ao início do século passado, quando, em 1926, foi desenvolvido o Relatório Rolleston, coordenado pelo então ministro da Saúde britânico, Humphrey Rolleston. À época, médicos tinham o direito de prescrever pequenas doses de heroína a usuários dependentes. Caso semelhante ocorreu na Holanda, em 1980, quando usuários da mesma droga exigiram do Estado medidas para redução dos riscos de contágio do vírus da hepatite B. A preocupação com a disseminação do vírus HIV favoreceu o desenvolvimento dessas políticas.

No Brasil, não existe legislação que regule as ações de RD. No entanto, a Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001), aprovada em 2001, trata dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e das políticas de assistência social voltadas para a saúde mental da população. A lei garante o tratamento humanizado, no qual a internação compulsória se torne o último recurso, mas esbarra na ineficiência de sua aplicação.

Marcelo Della Vechia explica que a legislação sobre saúde mental é frágil, e as ações são prejudicadas pelo subfinanciamento crônico das políticas públicas, como as da Saúde: “Já não é um problema de gestão. Se não há recurso, não há o que gerir. O SUS e a Assistência Social também vêm sendo subfinanciados, o que interfere na produtividade das ações de redução de danos.” Como agravante, a não existência de legislação que normatize as ações redutoras. Existem outros marcos institucionais que abrangem a prática, caso da Portaria nº 1.028/2005, do Ministério da Saúde, e das diretrizes do Ministério da Justiça.