Pesquisa sobre a "Linguagem dos Sinos" recebe premiação nacional

Publicada em 20/08/2018

O trabalho, elaborado pelo aluno do curso de Música Yuri Vieira, investiga a influência africana nos repiques da tradição são-joanense

Depois do reconhecimento no Seminário de Iniciação Científica da UFSJ em 2017, a pesquisa do estudante Yuri Vieira, do curso de Música, orientado pelo professor Marcos Filho, alcançou mais uma conquista. Em busca de traços da cultura africana dentro da “Linguagem dos Sinos”, o trabalho foi premiado como a melhor pesquisa na área de artes da sessão de pôsteres da 70ª reunião da Sociedade de Pesquisa para o Progresso da Ciência (SBPC). Maior evento de divulgação científica da América Latina que, em 2018, ocorreu em julho na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em Maceió. 

Intitulado como “Influência Africana na Linguagem dos Sinos de São João del-Rei”, a pesquisa descobriu que o conteúdo musical dos sinos tem influência direta de variações do Tresillo, um padrão rítmico afro-brasileiro. Além disso, a literatura sobre o tema evidencia a atuação do negro escravizado como sineiro e, consequentemente, a inserção de sua musicalidade na criação e execução dos repiques.

De acordo com o professor Marcos Filho, a pesquisa impactou porque uma abordagem etnomusicológica da tradição ainda é incipiente no país e a Universidade só tem a ganhar com essa interação entre o meio acadêmico e a cultura popular: “A influência africana está na base da formação do povo brasileiro. No caso dos sinos, a tradição europeia foi ressignificada por aqui e, de certa forma, a torre da igreja passou a representar um espaço de resistência da cultura africana”, comenta.

Entre os resultados do trabalho está um caderno de partituras dos sons locais, que futuramente poderá ser publicado. Segundo o estudante Yuri, “a visibilidade da pesquisa contribui para a geração de interesse, respeito e manutenção desse patrimônio. Inclusive, a possível publicação do caderno preenche uma das lacunas elencadas pelos sineiros e abre possibilidades para a investigação acadêmica”, conta.

Para ressarcir os gastos com a viagem feita a Maceió, será realizada uma campanha de arrecadação que tem início no dia 5 de setembro em um evento no Centro Cultural UFSJ, onde o estudante apresentará seu trabalho e a experiência de participação no evento da SPBC. Além disso, outros pesquisadores do tema também serão convidados para participar desse bate-papo. Interessados em ajudar podem entrar em contato pelo telefone (32) 98837-8424 ou por meio do email contatopolifonica@gmail.com

Como surgiu a ideia

Por ser músico, desde que conheceu São João del-Rei, Yuri sempre levantou questões sobre a influência da cultura africana na composição da “Linguagem dos Sinos”. Mas, ao ingressar na Universidade e ter contato com os estudos sobre música brasileira, cultura e história do professor Marcos Filho, ele enxergou a possibilidade de esclarecer essas dúvidas.

Após ler os trabalhos de teóricos como Carlos Sandroni, Aluízio Viegas e André Dangelo na disciplina “História da Música Popular Brasileira”, Yuri fez um ensaio sobre o assunto que se transformou no tema de sua Iniciação Científica. Sem bolsa de auxílio, o estudante, com ajuda do professor Marcos, adaptou o projeto para sua execução.

O trabalho de pesquisa

A investigação ocorreu em quatro etapas. A primeira consistiu na elaboração do ensaio, quando Yuri se concentrou na bibliografia, principalmente, de documentos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como o Dossiê de Registro do Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiros em Minas Gerais. Outra fonte importante foi o livro ‘Sentinelas Sonoras de São João del-Rei’, de André Dângelo.

Na segunda fase, os repiques da Semana Santa de 2017 foram gravados com a ajuda do sineiro responsável pela Catedral de Nossa Senhora do Pilar, Luiz Carvalho de Freitas. Depois, os nove sons foram transcritos para a partitura e, por último, essas anotações foram analisadas em busca do Paradigma do Tresillo. Um padrão rítmico identificado por musicólogos cubanos e utilizado por Sandroni como base da concepção do afro-brasileiro na música antes dos anos 30.

A Linguagem dos Sinos

São João del-Rei é conhecida como a “terra onde os sinos falam”, isso porque ela carrega uma tradição secular denominada “Linguagem dos Sinos”. De toques fúnebres a anunciações religiosas, os sinos são símbolos da história da cidade e até hoje passam mensagens por meio de dobres e repiques que influenciam o cotidiano são-joanense.

Declarada em 2009 como “Bem Cultural Registrado Nacional” pelo IPHAN, a Linguagem dos Sinos não é uma exclusividade são-joanense, já que também encontra-se em outras sete cidades mineiras. Contudo, dentre elas, São João del-Rei ainda preserva a manifestação mais expressiva, tendo cerca de 30 sinos espalhados na cidade com mais de 40 toques reconhecidos.