CÓPIA DO TESTE

Esta escala foi validada por Lúcia Abelha Lima, Ph.D. ,psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto de Assistência à Saúde Juliano Moreira, por

Marina Bandeira, Ph.D. , psicóloga, pesquisadora e docente da Universidade Federal de São João del Rei e por

Sylvia Gonçalves, Psicóloga e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira.

Artigo da publicação da pesquisa de validação : Lima, L.A., Bandeira, M. e Gonçalves, S. (2003). Validação Transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) para pacientes psiquiátricos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, vol. 52 (2),143-158.

INTRODUÇÃO

A escala de avaliação das Habilidades de Vida Independente para Pacientes Psiquiátricos consiste em uma versão adaptada e validada para o Brasil da escala original denominada Independent Living Skills Survey – ILSS (20; 21). Esta escala visa medir as habilidades de vida independente de pacientes psiquiátricos com doença mental grave e persistente, em diversas áreas do seu funcionamento na vida cotidiana.

Há uma escassez de instrumentos de medida validados no Brasil para avaliar a autonomia dos pacientes. A adaptação de instrumentos internacionais à nossa cultura e à nossa realidade é de fundamental importância para subsidiar a saída dos pacientes do hospital para alternativas de atendimento na comunidade e para a comparação de estudos brasileiros com estudos feitos em outros países.

Com o movimento de desinstitucionalização psiquiátrica, vários países passaram por uma reforma no setor de saúde mental, dando prioridade ao tratamento na comunidade. Apesar dos avanços obtidos com a reforma psiquiátrica, no que diz respeito à reintegração do paciente na comunidade, às melhorias na qualidade de vida e aos direitos de cidadania, o tratamento do paciente crônico ainda representa um dos maiores desafios da reforma, pois devido às suas deficiências persistentes, estes pacientes necessitam suporte social, assim como assistência e acompanhamento intensivos e constantes (2;3;8;10;13).

A saída dos pacientes graves do hospital demanda a existência de residências terapêuticas na comunidade com diversos níveis de proteção. A qualidade e intensidade da assistência fornecida aos pacientes nestas residências contribui para sua reinserção social e diminui suas rehospitalizações (1). Além disso, esses pacientes precisam de programas de reabilitação psicossocial através do treinamento das habilidades da vida diária, principalmente nas áreas em que apresentem maior dificuldade (11).

Esta mudança no local de tratamento do hospital para a comunidade vem exigindo uma avaliação do impacto das intervenções, ao mesmo tempo em que a avaliação da autonomia passa a ter um papel fundamental, não só na escolha do nível de proteção que a moradia na comunidade deverá oferecer ao paciente, como nas decisões sobre o tipo de programa de reabilitação psicossocial em que ele deverá ser inserido. O aumento de oportunidades no ambiente, a diminuição do estresse, o acrescido do estímulo à aprendizagem das habilidades individuais podem contribuir para um melhor funcionamento dos pacientes (12).

 

INSTRUMENTO DE MEDIDA ORIGINAL

A versão original da escala, Independent Living Skills Survey (ILSS), foi elaborada por Wallace, Kochanowicz e Wallace (1985) e relatada por Wallace (1986). Esta escala possui duas versões, uma delas foi construída para ser aplicada diretamente aos próprios pacientes e a outra para ser aplicada a um informante, seja ele um membro da equipe de saúde mental envolvido no atendimento ao paciente ou um membro da família do paciente. A versão que foi adaptada e validada para o Brasil foi aquela a ser aplicada por um informante.

A escala original contem 112 itens que avaliam o funcionamento dos pacientes psiquiátricos em nove áreas da vida cotidiana, em termos da frequência em que eles apresentam as habilidades básicas para funcionar de forma independente na comunidade. As nove áreas avaliadas pelo ILSS se referem a atividades relacionadas a: alimentação, cuidados pessoais, atividades domésticas, preparo e armazenamento dos alimentos, saúde, lazer, emprego, transporte. Estas áreas foram selecionadas pelos autores, com base na avaliação de 15 escalas de medidas do funcionamento de pacientes psiquiátricos e na informação obtida através de entrevistas realizadas por 5 assistentes sociais e 5 coordenadores de residências comunitárias (21).

O ILSS avalia, em uma escala tipo Likert de 5 pontos (nunca, algumas vezes, com frequência, na maioria das vezes, sempre) a frequência com que o paciente realizou, no último mês, as atividades cotidianas necessárias ao seu funcionamento independente na comunidade. Quando o paciente não teve oportunidade de apresentar a habilidade em questão, marca-se NO (nenhuma oportunidade).

A escala original de língua inglesa apresenta propriedades psicométricas adequadas de consistência interna, uma vez que os coeficientes alfa de Cronbach variaram de 0, 67 a 0,84. A avaliação da fidedignidade pelo método da correlação entre as duas metades das sub-escalas apresentou coeficientes de correlação entre 0,63 e 0,89. A escala original apresenta igualmente resultados positivos no que se refere à sua validade concomitante, tendo sido correlacionada positivamente com as sub-escalas de funcionamento social da escala NOSIE (9), a qual avalia o funcionamento e sintomatologia de pacientes psiquiátricos (21).

LOCAL DE ESTUDO e POPULAÇÃO ESTUDADA

O estudo de tradução e adaptação do ILSS para o contexto brasileiro foi realizado no Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira – RJ (IMASJM) e a coleta de dados foi feita nas Unidades Assistenciais do IMASJM. A análise das qualidades psicométricas das escalas foi realizada no Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental (LAPSAM) da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), MG.

O IMASJM conta com uma clientela de 905 pacientes institucionalizados por muitos anos e que perderam seus vínculos familiares e sociais devido aos longos anos de institucionalização. Possui a característica de um pequeno bairro, pois atualmente residem no seu perímetro cerca de 20.000 moradores, fruto de invasões das terras da antiga Colônia Juliano Moreira (6).

O instituto é composto por 5 unidades assistenciais: 173 (19%) pacientes no Núcleo Franco da Rocha (NFR); 169 (19%) no Núcleo Ulisses Viana (NUV); 344 (38%) no Núcleo Teixeira Brandão; 102 (11%) no Núcleo Rodrigues Caldas e 64 (7%) no Pavilhão Agrícola (PA) e 1 Centro de Reabilitação e Integração Social (CRIS) com 53 (6%) pacientes. As diversas unidades do IMASJM oferecem atividades em oficinas, atendimento terapêutico, acompanhamento no Programa de Recursos Individuais, Residências Terapêuticas e Lares de Acolhimento e atividades de lazer.

Os pacientes participantes da presente pesquisa consistem na população total do IMASJM. Esta população é constituída de 530 (58,6%) mulheres 375 homens (41,4%), com idades que variam de 24 a 98 anos, sendo a média de idade de 65,6 anos e o tempo médio de internação de 36,9 anos. O nível de escolaridade é baixo, com 342 (38,3%) pacientes analfabetos e 202 (22,6%) apenas alfabetizados. A maior parte da clientela não recebe visitas e não possui vínculo empregatício, embora 391 (43,4%) pacientes tenham renda fixa proveniente de bolsa auxílio do IMASJM e previdência social.

Quanto ao perfil diagnóstico, 568 (63%) tem diagnóstico de esquizofrenia, transtornos esquizotípicos ou transtornos delirantes; 173 (19%) têm retardo mental e 55 (6%) têm epilepsia; 109 (12%) têm outros diagnósticos.

 

PROCEDIMENTO DE VALIDAÇÃO

A pesquisa de validação transcultural da escala ILSS-BR envolveu duas etapas. A primeira incluiu a tradução e adaptação das questões da escala original para o contexto brasileiro, assim como um estudo piloto visando ajustar a formulação das questões à população-alvo. A segunda etapa envolveu o estudo das propriedades psicométricas da versão adaptada para o contexto brasileiro e o reajuste final da escala em função das análises estatísticas.

Etapa I : Adaptação Transcultural da Escala:

Tradução e adaptação: Foi utilizada a versão original de língua inglesa da escala ILSS para se fazer a tradução para o português e a retrotradução ("backtranslation"), visando obter uma primeira versão brasileira da escala. No processo de adaptação das questões para o contexto brasileiro foi igualmente consultada a versão canadense-francesa do ILSS (1;4).

A adaptação transcultural da presente escala para o contexto cultural brasileiro foi realizada segundo os procedimentos recomendados pela oms (1996) e por Vallerand (1989) para a adaptação transcultural de instrumentos de medidas. Este procedimento consta das seguintes etapas: 1.Tradução; 2. Revisão da tradução por um grupo bilíngue; 3. Retrotradução; 4. Avaliação da retrotradução 5. Estudo piloto I; 6. Revisão das questões a partir do estudo piloto 7.Teste de campo ou estudo piloto II.

O primeiro procedimento realizado foi a tradução da escala, revisada por dois psiquiatras e um psicólogo bilíngües. A retrotradução da escala foi feita por um epidemiologista bilíngüe, tendo sido avaliada em seguida por um grupo de profissionais bilíngues com experiência na área: quatro psiquiatras, três psicólogos e um antropólogo.

Na discussão de avaliação da retrotradução da escala, 4 itens foram suprimidos, devido ao fato de não se ajustarem à nossa realidade sócio-cultural, sendo portanto inadequados para o contexto brasileiro. Houve ainda uma modificação em um item na sub-escala relativa a cuidados pessoais. Estas modificações estão descritos detalhadamente no artigo publicado com os resultados da pesquisa de validação do ILSS-BR, cuja referência se encontra no inicio desta apresentação. A versão preliminar da escala adaptada brasileira ficou com 108 itens.

Estudo Piloto: O estudo piloto visou ajustar a formulação das questões da versão preliminar do ILSS-BR, em função da população-alvo para a qual a escala seria aplicada, a fim de se assegurar uma boa compreensão das questões do questionário .

Este estudo foi feito com uma amostra de 20 pacientes, sendo 10 homens e 10 mulheres de duas diferentes unidades do IMASJM. As entrevistas foram realizadas por uma psiquiatra e uma psicóloga que participaram dos grupos de revisão da tradução e avaliação da retrotradução da escala. Foram entrevistados técnicos das unidades que conheciam bem a rotina de vida diária dos pacientes.

A partir do estudo piloto, realizou-se uma reunião com representantes dos técnicos das unidades e um representante da associação de familiares dos pacientes, onde foram discutidas modificações na redação e em alguns termos da escala que facilitassem sua compreensão. Estas modificações (ver artigo de publicação para detalhes) resultaram em uma escala adaptada para o contexto brasileiro que continha 106 itens.

Etapa II: Estudo das Propriedades Psicométricas da Escala

A segunda etapa desta pesquisa tinha como objetivo verificar as propriedades psicométricas da escala e reajustá-la em função dos resultados das análises estatísticas. Para isto, foi feita a aplicação da versão adaptada da escala em toda a população do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM),.

O procedimento de aplicação da escala foi iniciado após o projeto ter sido aprovado pela comissão de ética em pesquisa do IMASJM, garantindo-se o consentimento, o sigilo e o anonimato das respostas. A aplicação da escala foi realizada no período de um mês por 10 pesquisadores graduados em psicologia, contratados pela Secretaria Municipal de Saúde para essa atividade e treinados por uma psiquiatra e uma psicóloga, co-autoras deste estudo. O treinamento foi constituído de três módulos e teve a duração de 12 horas: 1. discussão da escala, 2. aplicação piloto da escala e 3. painéis de discussão

Os entrevistadores foram alocados nas 6 unidades do IMASJM e supervisionados pela mesma equipe do treinamento. Em cada unidade, as entrevistas foram realizadas com os técnicos da unidade que mais conheciam os pacientes nas suas atividades diárias. As instruções sobre as respostas (constantes no início do questionário) e cada um dos itens foram lidos pelo entrevistador para cada respondente e as respostas eram anotadas pelo entrevistador no próprio questionário.

 

PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DO ILSS-BR

Consistência Interna

A fidedignidade da presente escala foi avaliada a partir da análise da consistência interna de suas nove sub-escalas. Para isto, foi feita a análise estatística do coeficiente alfa de Cronbach para cada sub-escala. Os resultados indicaram que todas as sub-escalas do ILSS-BR apresentavam coeficientes elevados de alfa de Cronbach. Os valores variaram de 0,75 a 0,96, o que indica uma boa homogeneidade e consistência dos itens de cada sub-escala, pois estes valores se situaram acima do critério estabelecido (critério minimo= 0,70) para escalas contendo mais de 10 ítens, tal como sugerido por Gullikesen (3) e por Martinez Arias (5). As sub-escalas que apresentaram os coeficientes mais elevados de consistência interna foram as de Cuidados Pessoais, Atividades Domésticas, Preparo e Manutenção de Alimentos, Transporte e Administração do Dinheiro. As demais apresentaram valores de alfa abaixo de 0,90.

Estes resultados demonstram que a consistência interna da escala ILSS-BR é satisfatória. Devido a este resultado, todas as nove sub-escalas originais foram retidas, indicando assim que os nove aspectos da vida cotidiana avaliados na escala original são igualmente relevantes no contexto brasileiro e que contribuem, portanto, para a avaliação do nível de habilidades de vida independente de pacientes psiquiátricos.

A consistência interna da sub-escala Cuidados Pessoais foi calculada separadamente para os sujeitos do sexo masculino e feminino, devido ao fato de que os itens respondidos por estes dois sub-grupos não eram os mesmos, nesta sub-escala em particular.

Para se fazer a análise do coeficiente alfa de Cronbach, foi necessário eliminar os itens que apresentavam excesso de respostas em branco, de forma que a estatística pudesse ser calculada pelo menos com uma amostra acima de 100 sujeitos, o que resultou em valores variados de N nas sub-escalas. Outros itens foram eliminados em cada sub-escala como resultado da análise estatística de consistência interna, quando suas correlações item-total se situavam abaixo do critério mínimo requerido (r=0,20) para uma consistência interna adequada, tal como sugerido por Gullikesen (7) e por Martinez Arias (14). Itens que não atingiram este critério não eram congruentes com os demais itens da sua sub-escala e, portanto, não estavam contribuindo para a medida do conceito de habilidades de vida independente daquela sub-escala. O artigo de publicação desta pesquisa descreve o conteúdo de todos os itens que foram eliminados na análise de Cronbach, devido aos motivos expostos acima.

Validade de construto

A validade de construto da escala ILSS-BR foi avaliada, constatando-se a presença de um construto comum subjacente às nove sub-escalas. A presença de um construto comum se observa quando a correlação obtida entre cada sub-escala e o escore total é mais elevada do que a correlação observada entre as sub-escalas. Para efetuar esta comparação, foram calculadas as correlações de Pearson entre as nove sub-escalas, assim como suas correlações respectivas com o escore global. Os resultados mostraram primeiramente que as nove sub-escalas apresentam correlações entre elas altamente significativas (p=0,00). Este resultado indica que, embora avaliem aspectos distintos das habilidades de vida cotidiana, as diversas sub-escalas do ILSS-BR apresentam uma relação entre elas. Além disso, os resultados mostraram também que houve, em geral, correlações significativas mais elevadas de cada sub-escala com a escala global, variando de r=0,519 à r=0,869, do que das sub-escalas entre si. A única exceção se refere à sub-escala referente ao trabalho.

Estes resultados confirmam, portanto, a hipótese inicial, demonstrando que as sub-escalas do ILSS-BR, embora representem dimensões distintas, compartilham um construto subjacente comum, presente na escala global de habilidades de vida independente.

Validade discriminante

A validade discriminante da escala ILSS-BR foi verificada comparando-se os escores obtidos pelos pacientes dos seis diferentes Núcleos existentes no Hospital Psiquiátrico estudado. Um vez que estes Núcleos abrigavam grupos de pacientes que diferem em termos de seu grau de autonomia, a presente escala deveria ser sensível para detectar diferenças entre eles, em termos de suas habilidades de vida independente, o que atestaria a validade discriminante do ILSS-BR. Esta comparação foi feita através da análise de variância (ANOVA).

Os resultados indicaram que os grupos de pacientes dos seis Núcleos do Hospital apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre eles no escore total (F=32,962; p=0,000) e em todas as nove sub-escalas do ILSS-BR, sendo esta diferença maior em oito da sub-escalas: Administração do dinheiro (F=32,25; p=0,00), Atividades domésticas (F=13,63; p=0,00), Preparo e manutenção dos alimentos (F=10,09; p=0,00), Cuidados pessoais (F=21,97; p=0,00), Emprego (F=113,82; p=0,00), Lazer (F=30,33; p=0,00) e Transporte (F= 41,45; p= 0,00). A menor diferença entre os grupos foi observada para as atividades referentes à sub-escala de Alimentação (F=3,058; p=0,010).

Foi feita, em seguida uma análise discriminante dos seis Núcleos de pacientes, afim de se identificar as sub-escalas que mais discriminavam os grupos. Esta análise evidenciou uma função significativa diferenciando os grupos (Qui-quadrado= 385,713; p=0,00; Lambda=0,235; eigenvalue=1,35), que explicava 66% da variância dos dados. As correlações mais elevadas encontradas entre as sub-escalas e a função discriminante canônica standardizada foram referentes às atividades de Emprego, Transporte, Administração e Lazer (respectivamente 855, 587, 544, 455). Este resultado indica que foram estas quatro sub-escalas do ILSS-BR que mais diferenciaram os grupos de pacientes dos diferentes Núcleos da amostra.

Os resultados descritos acima são coerentes com as diferenças de nível de autonomia apresentadas pelos seis grupos de pacientes, na sua vida cotidiana na instituição. Estes resultados indicam que a escala ILSS-BR apresenta validade discriminante adequada, uma vez que foi sensível para detectar diferenças significativas nos diversos grupos de pacientes da presente amostra.

Conclusão sobre as propriedades psicométricas do ILSS-BR:

O Inventário de habilidades de vida independente, adaptado para o contexto brasileiro, ILSS-BR, se mostrou uma escala com qualidades psicométricas de validade e fidedignidade satisfatórias, no que se refere à consistência interna das suas sub-escalas, assim como à sua validade discriminante e validade de construto. Sua elevada consistência interna (a = 0,753 a 0,959), acima do critério requerido, indica um índice de fidedignidade ainda superior ao obtido para a versão original do ILSS (a = 0, 67 a 0,84). Devido a estes indices adequados, todas as nove sub-escalas da versão original foram retidas na versão brasileira, que poderá portanto avaliar as habilidades de vida independente dos pacientes nas mesmas áreas de atividades cotidianas da versão original.

Os resultados positivos obtidos para a validade discriminante desta escala indicam também que ela é sensivel para discriminar grupos distintos de pacientes psiquiátricos. Como na versão original da escala este tipo de análise não foi efetuada (21), não podemos fazer uma comparação dos presentes resultados com o estudo original, para este aspecto em particular. A validade de construto se mostrou igualmente adequada, tal como avaliada pela obtenção de uma maior correlação entre cada sub-escala e a escala global do que as correlações entre elas, o que indica a presença de um construto comum subjacente às sub-escalas.

Quanto à validade concomitante da presente escala, ela só poderá ser verificada após a validação para o Brasil de uma escala que avalie um construto semelhantes ao do ILSS. No caso da versão original do ILSS (21), a validade concomitante foi analisada através de sua correlação com uma sub-escala da escala NOSIE, que ainda não foi validada para o Brasil.

DESCRIÇÃO E PROCEDIMENTO DE UTILIZAÇÃO DO ILSS-BR

Descrição: A versão do ILSS-BR para o contexto brasileiro resultou, após o estudo de tradução e adaptação transcultural e as análises estatísticas realizadas, em uma escala de 84 itens que avaliam as habilidades de vida independente dos pacientes psiquiátricos em nove domínios de sua vida. Foram retidos 8 itens que avaliam as habilidades referentes à Alimentação, 13 itens referentes aos Cuidados Pessoais, 12 itens que concernem as Atividades Domésticas, 7 itens que tratam das habilidades de Preparo e Armazenamento de Alimentos, 8 itens referentes `as habilidades do domínio da Saúde, 12 itens que concernem as habilidades de Administração do dinheiro, 7 itens referentes ao Transporte, 9 itens que avaliam o domínio do Lazer e 8 itens que tratam de habilidades relacionadas à procura e/ou conservação do Emprego.

Aplicação: Ao se utilizar o ILSS-BR para avaliar os pacientes de um dado serviço de saúde mental, deve-se seguir o procedimento de aplicação descrito aqui. Assim, a aplicação da escala deve ser feita em entrevista com a pessoa que mais conhece as atividades cotidianas do paciente. O entrevistador deve ler as instruções e as questões da escala para esta pessoa e anotar as suas respostas no questionário, segundo as instruções que constam no inicio do questionário.

Correção dos resultados: Na correção dos resultados, para se avaliar o nível de funcionamento dos pacientes em relação às nove áreas de habilidades da vida cotidiana independente, calcula-se o escore médio das respostas obtidas em cada uma das nove sub-escalas do ILSS-BR. Esta média, que pode variar de 0 a 4, indicará um nível mais elevado de habilidades de vida independente quanto mais próxima ela estiver do valor máximo 4.

O nível de funcionamento global dos pacientes nas habilidades da vida cotidiana pode ser estimado, calculando-se a média das respostas obtidas nos 84 itens que compõem a escala ILSS-BR.

Antes de se calcular a média dos escores de cada sub-escala e a média global, é necessário inverter os escores de alguns itens cujo sentido difere dos demais itens da escala, de modo que todos os escores da escala possam ser indicativos de maior independência dos sujeitos, quanto maior o escore médio for próximo de 4. Os escores a serem invertidos se referem aos seguintes itens: os itens 5 e 8 da sub-escala Alimentação; o item 13 da sub-escala de Cuidados Pessoais e o item 8 da escala de Saúde. Nas demais sub-escalas, não há ítens a serem invertidos.

Para inverter o escore obtido em um determinado item do questionário, basta inverter o valor da escala de 0 a 4. Assim, se o paciente recebeu o escore 0 em um dos itens a serem invertidos, seu escore deverá ser invertido para o extremo oposto da escala, recebendo portanto o valor 4. Caso o paciente tenha obtido o escore 1, este resultado seria invertido para o valor 3. No caso do paciente ter obtido o escore 2, ele permanece com este valor, pois trata-se de um valor mediano.

Por outro lado, se o paciente recebeu o escore 4 em um item que precisa ser invertido, deve-se inverter seu resultado para o extremo oposto da escala, ou seja, 0. Caso ele tenha recebido o escore 3, inverte-se seu resultado para o valor 1.

CONTEXTOS DE UTILIZAÇÃO DO ILSS-BR

Programas de Reinserção social: A escala ILSS-BR é um instrumento de medida que poderá ser importante para o planejamento e a avaliação de programas relacionados à reinserção social de pacientes psiquiátricos.

Uma avaliação prévia dos pacientes com esta escala poderá fornecer informações básicas sobre seu nível de funcionamento cotidiano, que são relevantes para o planejamento dos recursos necessários para sua reinserção na comunidade, tanto em termos de tipo de moradia e tipo de suporte social necessário, quanto das intervenções e atividades a serem implementadas para a sua integração social.

Além disso, avaliações posteriores dos pacientes com esta escala poderão servir para monitorar a sua evolução quanto ao nível de funcionamento cotidiano, evidenciando assim seu grau de adaptação aos programas de reinserção social implementados (1).

Ensaios Clínicos: Do mesmo modo, esta escala poderá ser útil também em ensaios clínicos, visando avaliar os efeitos de novos tratamentos medicamentosos, uma vez que ela poderá fornecer informações sobre o impacto dos medicamentos no nível de funcionamento dos pacientes nas atividades cotidianas, de modo a indicar em quais áreas de habilidades da vida cotidiana eles apresentam uma melhora com a introdução de um determinado medicamento e também se algumas delas sofrem uma deterioração em função de efeitos colaterais.

A concepção sobre a avaliação dos efeitos de tratamentos medicamentosos tem se ampliado nos ultimos anos, de modo a incluir não somente uma avaliação da redução dos sintomas, mas também do impacto dos medicamentos em diversos aspectos da vida dos pacientes, entre outros, o seu nível de funcionamento independente na vida cotidiana, que contribui para sua qualidade de vida (15; 16).

Avaliação de Serviços de Saúde Mental: A presente escala poderá ser relevante igualmente para fornecer informações pertinentes à avaliação de Serviços de Saúde Mental, evidenciando o impacto destes serviços no nível de habilidades de vida independente dos pacientes.

Os próprios objetivos dos Serviços de Saúde Mental devem incluir, segundo Mercier (1994), não só responder às necessidades clínicas dos pacientes, mas também desenvolver suas habilidades de modo a aumentar sua funcionalidade no seu meio ambiente.

A Organização Mundial de Saúde tem estimulado a prática da avaliação contínua dos serviços de saúde mental, com o objetivo de promover uma melhor qualidade destes serviços (22). Entretanto, uma tal avaliação requer o desenvolvimento de instrumentos de medida válidos e fidedignos, capazes de fornecer informações confiáveis e pertinentes.

Alguns autores tem questionado a generalidade e validade dos resultados de avaliações de serviços que utilizaram questionários não validados, muitas vezes apenas traduzidos, cujas propriedades psicométricas não foram investigadas e que não foram submetidos a procedimentos padronizados de adaptação transcultural (17;18).

No nosso contexto, há uma carência de instrumentos de medida válidos e fidedignos para avaliar o impacto dos serviços, em particular no nível de funcionamento dos pacientes psiquiátricos com distúrbios severos e persistentes. A escala ILSS-BR certamente servirá para preencher esta lacuna.

REFERÊNCIAS

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